sábado, 16 de junho de 2012

Folheto IV - O CASO DO FAZENDEIRO DEGOLADO¹

PODE-SE dizer, nobres Senhores e belas Damas, que houve duas causas próximas para minha prisão. A primeira, foi a chegada, a Taperoá, do rapaz do cavalo branco. A segunda, estreitamente ligada a ela, foi o assassinato, por degolação, de meu tio e Padrinho, o fazendeiro Dom Pedro Sebastião Garcia-Barretto. Meu Padrinho foi encontrado morto, no dia 24 de Agôsto de 1930, no elevado aposento de uma tôrre que existia na sua fazenda, a "Onça Malhada". Essa torre servia, ao mesmo tempo, de mirante à casa-forte, e de campanário à capela da fazenda, que era pegada à casa. Seu aposento superior era um quarto quadrado, sem móveis nem janelas. O chão, as grossas paredes e o tecto abobadado dêsse aposento eram de pedra-e-cal. Por outro lado, meu Padrinho, naquele dia, entrara só no aposento e trancara-se lá em cima, dentro dêle, usando, para isso, não só a chave, como a barra de ferro que a porta tinha por dentro, como tranca. Outra coisa misteriosa: no mesmo dia, Sinésio, o filho mais moço de meu Padrinho, desapareceu sem ninguém saber como. Dizia-se que fôra raptado, a mando das pessoas que tinham degolado seu Pai, pessoas que odiavam o rapaz porque êle era amado pelo Povo sertanejo, que depositava nêle as últimas esperanças de um enigmático Reino, semelhante àquele que meu bisavô criara. Sinésio fora raptado e, segundo se noticiou, morrera também de modo cruel e enigmático, dois anos depois, na Paraíba, o que não impedia o Povo de continuar esperando a volta e o Reino miraculoso dêle.


Pergunto: e agora? Como é que meu Padrinho foi degolado num quarto de pesadas paredes sem janelas, cuja porta fôra trancada por dentro, por êle mesmo? Como foi que os assassinos ali penetraram, sem ter por onde? Como foi que saíram, deixando o quarto trancado por dentro? Quem foram êsses assassinos? Como foi que raptaram Sinésio, aquêle rapaz alumioso, que concentrava em si as esperanças dos Sertanejos por um Reino de glória, de justiça, de beleza e de grandeza para todos? Bem, não posso avançar nada, porque aí é que está o ! Êste é o "centro de enigma e sangue" da minha história.

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¹ ARIANO SUASSUNA. A Pedra do Reino.2a. edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972.

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