quarta-feira, 7 de março de 2012

CADERNOS¹



Na minha adolescência eu escrevia diário. Às vezes usando caderno de escola que não chegava no fim; mais vezes comprando um especial. Especial porque eu sabia que ele ia ser o meu diário, a cara dele era igual aos outros da escola.

Acabava um e começava outro, acabava um e começava outro: escrevi não sei quantos cadernos.

Era uma escrita apressada, de letra virada garrancho, toda esquecida dos exercícios de caligrafia de quando eu era criança. Era um registro compulsório de tudo que me acontecia; emoção, dúvida, tristeza, expectativa, estava tudo lá. E era compulsório, sim: ninguém sabia que eu empilhava aquela escrita toda, nunca tive vontade de mostrar os meus cadernos pra ninguém, e mesmo pensando uma vez que outra, quem sabe um dia eu vou ser escritora? nunca me ocorreu corrigir um período, uma frase, nem tampouco abrir um dicionário pra tirar a dúvida que tantas vezes me batia, se aqui tinha um s antes do c, se ali tinha acento ou não – mas eu tinha que escrever. 
(...)
Tinha dias que eu escrevia horas a fio.
Tinha dias que eu só escrevia uma página.

Mas se não escrevia eu me afligia. E muitas vezes, se eu não escrevia de dia, eu acordava no meio da noite pra escrever.

Um dia (eu ia fazer dezenove anos), do mesmo jeito espontâneo que eu tinha começado a escrever diário, eu deixei de escrever diário. Foi no tempo que eu achei que ia ser médico (um ano depois eu ia desachar). E, limpando gaveta pra minha papelada de vestibular, eu tive um acesso de hoje-eu-começo-vida-nova-o-passado-passou, e rasguei os meus cadernos. Todos.

Sempre achei uma pena.
Sempre sabendo que, se fosse hoje, eu rasgava tudo de novo outra vez.

Foram quase três anos de escrever diário. Não me lembro de ter sentido cansaço ou tédio naquelas horas. Não me lembro de algum dia – um só – ter passado, essa coisa de ter que escrever é meio chato, não é não?


¹  LYGIA BOJUNGA. Livro - um encontro. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga, 2007. 

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