quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

A ODISSÉIA DO RASCUNHO¹

(...) as aparências não enganam. Aquilo e o modo como escrevemos somos nós. É a partir desta constatação objetiva, feita sobre o rascunho e sobre o trabalho que nele se realiza, que podemos aperfeiçoar-nos e aperfeiçoar o próprio estilo. O escritor argentino Adolfo Bioy Casares falava sobre este tema: “Lembro-me que, quando comecei a escrever, escrevia muito mal – meus primeiros seis livros estão entre os piores da literatura mundial -, estava sempre embaralhando teorias literárias. Um dia, deixei essa preocupação de lado, e passei a escrever de acordo com minhas convicções, permitindo que cada texto encontrasse suas regras (O Estado de São Paulo, Caderno 2, 29.04.87).

Escrevemos como somos.
(....) os defeitos da nossa personalidade são os defeitos da nossa escrita. O que fazemos quando não escrevemos reflete-se no modo como escrevemos. O que pensamos, o que olhamos, o que ouvimos, o que lemos, aquilo em que acreditamos, tudo isto se reflete no modo como escrevemos.

Mário Quintana contava que, quando menino, trabalhou na farmácia do pai durante cinco anos: “Era um trabalho de grande responsabilidade e que me foi muito útil. Naquele tempo os farmacêuticos aviavam receitas. Naturalmente o meu pai me passava as coisas que não tinham muito perigo, porque eu era guri. Eu fazia soluções que, se colocasse um pouco mais ou um pouco menos dos ingredientes, não fariam mal ao doente. O que acontecia é que o remédio ficava turvo depois. Mas eu era consciente. E atribuo a esse cuidado que eu tinha com a medida exata, o cuidado que tenho com a forma de meus versos. Atribuo o cuidado extremo com a forma da poesia de Carlos Drummond de Andrade à sua habilidade métrica, pois ele estudou farmácia. Assim como Alberto de Oliveira, que também era farmacêutico e outro dos nossos grandes parnasianos, mestre de uma arte poética no Brasil”.

O nosso exercício profissional determina boa parte do nosso estilo, do nosso vocabulário, das nossas metáforas. Por sermos engenheiros, ou por sermos sapateiros, ou por sermos pintores, ou por sermos médicos, ou por sermos bancários, escreveremos de modos diferentes. Desde o rascunho até o ponto final do trabalho estarão impressos ali os nossos hábitos profissionais, o nosso ponto de vista profissional. A nossa profissão confunde-se com o nosso ser.
(...)

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¹ GABRIEL PERISSÉ. Ler, Pensar e Escrever. São Paulo: Arte & Ciência, 2004. 

4 comentários:

  1. agora eu fiquei com mto medo, pq as vzs escrevo e deleto, escrevo e reescrevo, a mesma coisa, de mil maneiras. ou as vzs escrevo e penso que não deveria. e publico, e... acho que nao binguei!

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  2. Úrsula, escrever é um risco. Continue escrevendo, deletando.... este ato é arriscado, prazeroso... é BINGO!!! Volte sempre. Abraços literários. Edna Freitass

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  3. Não quero me arriscar mais, quero somente riscar... kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk Pode ser?

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  4. Rosa Larossa, RISQUE bastante. Rabisque.... esse jôgo de riscar e rabiscar é O COMEÇO de todo ATO DE ESCREVER.... veja, neste blog, fragmentos do livro TUDO QUE SEI APRENDI NO JARDIM DA INFÂNCIA. Volte sempre. Abraços literários.

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